sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Os dois diferentes processos I

Sei que muita gente não entende e não sabe do que se trata quando falamos em processo de aborto. Infelizmente passamos por dois e acho importante explicar no que consiste exatamente, para que se alguém que anda por este blog tenha de passar por isso, possa saber ao que vai... Não vou explicar pormenorizadamente cada etapa, cada dor ou cada situação desconfortável, mas acho mesmo importante saber fisicamente alguns pormenores para que a mulher possa estar preparada. A tranquilidade que é necessária para passar por isso só pode acontecer depois de se saber o que a espera...
A primeira vez foi a que mais custou, claramente! Primeiro por ter sido o primeiro (aborto e filho), segundo porque não sabia o que ia acontecer e terceiro porque, por mais que a gravidez não fosse viável, o bebé estava vivo! Não era um feto, não era uma gravidez inviável, não era nada daquilo que a lógica nos possa dizer; era o MEU filho... Era o meu filho, que estava vivo, que estava dentro de mim...
Bom, assim que soubemos do que se tratava, a médica que me estava a acompanhar na altura (ecografista), que foi sempre um doce, tratou de tudo e no dia seguinte dei entrada no Hospital Santa Maria. Assim, fui logo para uma consulta de alto risco, onde me foram explicados os procedimentos. Que, numa situação normal, a comissão de ética tem de se reunir e só 3 dias depois é feita a interrupção da gravidez mas, no meu caso, por ser uma situação tão grave, não seria necessário... Fui depois a uma consulta com a geneticista, que me explicou direitinho o que estava a conhecer, ficou de analisar o meu caso e voltarmos para uma consulta depois de tudo isso passar, e depois falei com uma paicóloga. Por fim, voltei à primeira consulta, foi me dada uma carta para daí a 48 horas dar entrada nas urgências e me deram um comprimido para tomar. O efeito físico do comprimido é fazer com que as condições do feto não sejam favoráveis ao seu desenvolvimento, as psicológicas, para mim, foram as de tirar a vida ao meu bebé...
Fui para casa, passamos dos piores dois dias das nossas vidas e voltamos ao hospital. Fiz uma ecografia onde ainda vi oncoracao do bebé e bater (indescritível o que senti!) e, ao mesmo tempo que estávamos a passar por tudo isso, na sala ao lado conseguíamos ouvir a conversa de uma mulher que falava como se de uma gripe se tratasse, perguntando se iria demorar muito para fazer efeito. Ela estava para fazer uma interrupção VOLUNTÁRIA da gravidez... Meu Deus! Sem palavras...A médica explicou que isso acontece, que não havia problema e que seria então internada para iniciar tudo. Fui então para um quarto sozinha, o meu marido esteve sempre comigo, e tinha uma enfermeira que me ajudava em tudo o que precisasse, que foi uma querida! Depois desse comprimido são-nos ministrados uns comprimidos de 6 em 6 horas e estamos a soro, com medicação que vai aumentando de intensidade conforme as dores vão aumentando. Dói bastante... São as contrações do parto, igualzinho, mas sem a epidural... Mas é suportável.
Após duas doses do tal remédio, comecei a sangrar e então estava pronta para subir ao bloco de partos onde fiz um parto, mas sem bebé... Ainda ouvi ao lado um bebé a nascer pouco tempo depois... É daqueles momento que nunca se esquecem... Depois de tudo isso, o meu marido foi embora, eu fui para o quarto descansar, já eram quase duas da manhã. Na manhã seguinte voltou para me buscar e levar para casa e tentarmos gerir tudo isso... Dentro de toda a terrível situação, correu muito bem, evitando qualquer tipo de intervenção ou complicação e foi um processo "rápido", de 3 dias. Fui muito bem tratada e não tenho qualquer razão de queixa do Hospital Santa Maria. O processo psicológico em casa é que não é nada rápido, nada fácil ou nada simples...na parte física, continuamos com muita perda de sangue, a precisar de repouso e com alguma dor, que vai diminuindo com o tempo.
Temos uma espécie de licença de maternidade de 30 dias. Recomendo, segundo a minha experiência, que seja gozada na totalidade, ou pelo menos quase. Temos de nos sentir preparadas outra vez para enfrentar o mundo e com força suficiente para fazer as tarefas do dia-a-dia tentando esquecer ao máximo esse sofrimento e, para isso, temos de estar com as feridas um pouco saradas. Há aquela ideia de que o. Lotar ao trabalho distrai. É verdade mas, por outro lado, é preciso chorar, é necessário nós permitirmos sofrer, fazer o luto.

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