quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Quem sabe...?!?! Um dia, talvez!...

Sei o que é crescem na natureza, no mato ou na praia. Conheço plantas, frutas comidas em cima das árvores, caranguejos apanhados à mão no mangue, cavalos montados sem sela ou criar um gato selvagem que fugia todas as noites da jaula para dormir comigo em minha cama... São estas as mais belas recordações da minha infância, é lá que volto tantas e tantas vezes e é lá que me sinto envolta de um dos melhores sentimentos: liberdade!
Sei que à maioria das pessoas isso pouco ou nada diz. Sei que só podem saber o gosto da saudade de correr descalça pelas estradas, de andar em cima dos muros, de ver o esplendor do sol a nascer, de subir telhados, de brincar com os animais ou de chegar a casa com o vestido de menina todo sujo porque se passou a tarde em brincadeiras "como um menino" quem experimentou a sensação de se ser livre em todas estas coisas. Mas aqui a palavra liberdade não me chega para expressar tudo aquilo. É um sentimento maior: é um sentir-se solto, sem amarras, leve, capaz de voar. É um sentir-se liberto, mas ao mesmo tempo com uma sensação de pertença, de intrínseca e interior pertença ao mundo, àquilo que nos rodeia, à imensidão do mundo que, em algum momento, parece caber-nos na palma da mão, porque parece que não só fazemos parte dele,  como ele também faz parte de nós.
Sou daquelas pessoas que não contém a emoção quando está diante de uma paisagem enebriante. Porque o sentir tamanha beleza ultrapassa aquilo que sou capaz de exprimir por palavras ou captar no olhar. Porque não estou a ver uma paisagem, estou verdadeiramente a sentí-la. Há belezas maiores que nós, que não são captadas apenas pela visão, elas entranham-se em nós e se instalam no nosso coração. Há imagens que, por si só, se tornam momentos e há momentos que marcam as nossas vidas. 
Não sou pessoa de guardar recordações físicas. Acho que as melhores e verdadeiras recordações estão guardadas e marcadas nas nossas memórias, nos nossos corações e não em caixas ou gavetas. Acho mesmo que se preciso de um papel ou outro objeto para me lembrar de um momento é porque esse momento não ficou marcado em mim. Acredito mesmo que a melhor fotografia nunca pode ser captada por uma câmera, ela é sempre captada por um olhar, porque atrás desse olhar há um sentimento, há sensações e emoções que nos ficam, nos marcam. Por vezes esgotamos um momento tentando registá-lo para mais tarde recordar e simplesmente não o vivemos intensamente.
Pode vos parecer estranho, eu sei, mas não me faz sentido guardar o cordão umbilical, a pulseira do hospital, a primeira mexa de cabelo ou o primeiro dente dos meus filhos... Faz-me sentido absorver e sorver cada momento e guardá-los em mim, num lugar de onde nunca sairão, nunca se perderão e onde volto sempre que quero, sem precisar de as guardar fisicamente. Até porque para mim aquilo que cai é porque é passado, há que dar lugar ao novo. Nós também podemos escolher as nossas recordações. Podemos guardar as boas e as más. Mas escolhemos como as guardamos dentro de nós: se com rancor, para voltarem a nos machucar, uma e outra vez, se apenas como meras recordações, que fazem parte apenas do nosso passado, porque temos o poder de escolher se as queremos, ou não, no nosso presente. Para mim, as tatuagem fazem sentido quando são feitas na alma e não no corpo.
E é assim que gostaria de educar os meus filhos. Um dia, talvez um dia, nos mudemos para o campo, onde os raios de sol iluminam a paisagem a perder de vista, onde os pássaros cantam e se fazem ouvir. Onde haja som de água que corre no seu curso, onde há animais que são livres, onde se come aquilo que se plantou, onde há saberes e sabores que, de tão simples, sabem a complexos e tão intensos. Onde o fim do dia não é a televisão, é uma chávena de chá no alpendre com um livro. Onde as bicicletas tem pó e não alcatrão, onde as galochas servem para andar nas poças e à chuva e não são apenas um adereço de moda. Onde o pequeno almoço sabe a tempo em família e não a correria do dia a dia, onde o tempo tem tempo e onde o tempo sabe a tempo bom, mesmo que não a bom tempo... Onde o cheiro a bolo saído do forno nos faz lembrar as tardes de chuva, onde se sente e reconhece o cheiro a terra molhada (que ainda hoje sinto ao fechar os olhos). Onde cair de uma árvore, esfolar os joelhos, sujar as mãos de terra,  ou ser picado por formigas é natural. Onde sentir os primeiros raios de sol a aquecerem-nos o corpo e beijarem o nosso rosto é possível. 
Quem sabe?!?! Um dia, talvez!...

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